Ela era ainda pequena. Tinha longas trancas. Longas e escuras. Todos os dias, subia numa cadeira, com seus sapatinhos engraxados, antes de ir a escola. Arrastava-a pelo cômodo, de piso de madeira, muito gasto pelo tempo, naquela casa antiga e fria. Ainda antes do sol nascer. Olhava pelo parapeito da janela para ver se ele vinha. Fazia isso todos os dias, mesmo quando nao havia aula. Acordava cedinho e subia na cadeira. Era a primeira coisa que fazia quando pulava da cama. Olhava, procurando-o. E voltava a descer. - Nada ainda, vovó - falava desapontada àquela que também, assim como ela, aguardava ansiosa e tinha as mesmas trancas, mas há muito tempo nao mais tao escuras. Os olhos da avó brilhavam, tinham sempre um ar molhado e cansado. - Já nao enxergo tao bem filha. Entao, continue você olhando por mim - falava a avó sentada na outra cadeira do outro lado da sala. Balancando-se enquanto cantava uma cancao como que de ninar. Como que.
A mae da menina chegava na sala e revirava os olhos. - Ainda à procura? Suas duas tolinhas. Quando ele vier, vocês saberao. Nao entenderam ainda? - Comentava a mae, meio que resmungando. Meio que.
Ela sabia o amor que unia as duas geracoes a sua frente. A filha que nasceu de um parto difícil há quase seis anos e que foi quase que completamente, cuidada pela avó, e a mae, que parecia a cada dia, ficar mais distante com seus quase setenta anos. Ambas pareciam viver em um sonho. Toda noite se reuniam a mesa de jantar, à luz de uma vela, para ler e ouvir histórias. - Vovó, tudo isso é um faz de conta como as historinhas que vemos na escola, como quando a Susie fez a princesa e o Andrew o bruxo? - Nao filha, este livro conta histórias reais, mesmo que nosso vizinho, aí do lado, nao acredite. Houve testemunhas, e alguns fatos foram contados de pai pra filho, mesmo antes de ele nascer em forma de letras impressas - Respondia a avó com tamanha veemência que à netinha só restava acatar. Ia dormir toda noite pensando que deveria estar pronta. Por isso ia para a cama com os sapatinhos sempre perto e uma bolsa costurada pela avó com sua boneca dentro. - Nao vou a lugar nenhum sem você, Louise. Dizia baixinho à boneca loura, de rosto rosado e cabelos emaranhados, que ganhara de aniversário do pai que morrera aquele ano, quando ela completava três.
Aquela manha fora acordada pela mae. A avó nao estava bem e chamava por ela. Saiu correndo, descendo as escadas, esqueceu de colocar os sapatos, esquecera a bolsa, nao subiu na janela, simplesmente correu no quarto da avó. A senhorinha nao estava na cama. Foi até a mae que estava parada na porta. E teve tempo de olhar a avó, em pé, como há muito tempo nao a via, em frente à janela. -Vó! Eu devo olhar para você! Sou eu quem olho, vó! disse a menininha nervosa, enquando corria até sua avozinha. A senhora tinha um sorriso no rosto, agora quase tao rosado, como de sua boneca e apontava para longe. Havia um campo com alguns cavalos e muitas florzinhas amarelas que surgiam no início da primavera. Podia sentir a brisa fresca da manha, com a janela aberta e a cortina em leve balanco, enquanto a avó dizia - Hoje ele vem, querida. Mas só pra mim.
A mulher apertava o olhar contra a janela. Nos bracos, um bebê. Na mesa fazendo licao de casa, uma menina de trancas longas. Como fazia todos os dias, tentava enxergar o que a avó vira há mais de vinte anos. A mesma casa, o mesmo campo, o mesmo frio da manha. Toda dia ela ia ver se ele estava vindo. Nunca desistiria de esperar e seria como a menina que nunca deixara de ser, a pular no pescoco dele e rever sua querida avó.
Cada palavra repleta de sentimentos. Lindo Nina!
ResponderExcluirVocê nos transporta com a tua escrita. Beijo!
Vindo de ti Ana, que escreve lindamente de forma romanceada, elogio puro ;-)
ExcluirQue linda história Nina! Sem mais palavras... comovida!
ResponderExcluirBaseada em fatos reais Cammy ;-)
ExcluirAh Nina, eu gosto quando você escreve esses contos, histórias criadas ou reais, mas tão bem sentidas que nos prendem. |Lindo!
ResponderExcluirbeijinhos cariocas
tbm gosto Beth ;-)
ExcluirPassei para desejar um Feliz Natal para você e sua família e me encantei com seu belo conto. Como vc escreve bem, querida.
ResponderExcluirBjs,
Mt obrigada querida Norma! pra ti e pra familia, um feliz 2015
Excluir