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A casa da mamãe e meu padrasto

A casa da mamãe é o meu lugar preferido no mundo. Minha referência de vida. Aquela casa emana alegria, saúde, refúgio, amor. Eu não saberia dizer o que minha mãe fez para conquistar isso, mas ela conseguiu fazer do seu lar, o melhor pedaço do mundo para os seus filhos e netos. É como entrar num pequeno paraíso, muito quente, é verdade, sem luxo ou riqueza, barulhento, mas é o nosso lugar, o de todos nós! Tem uma cozinha sempre em funcionamento, e os vizinhos barulhentos, tem latido de cachorro e somente um banheiro, e uma TV que não para de funcionar, mas tem tanto amor naquele lugar! 

Hoje porém, este alegre ambiente está levemente mais triste: nosso padrasto, que vivia com mamãe há quarenta e quatro anos, morreu no domingo passado, no dia do aniversário do meu filho mais velho.  Seu Garcia sofria há quatro anos das sequelas de um derrame cerebral, e vinha por esses anos, dando muito trabalho, coisa que minha mãe nunca reclamou. Eu que cresci com raiva dele, pelas muitas coisas que já nos aconteceram por esses mais de quarenta anos e por causa da minha adolescência metidinha, nunca pensei que ficaria tão triste com sua partida. Mas fiquei. Como a morte é curiosa! Sabíamos que ela estava "rondando" nosso padrasto há muito tempo, porque ele foi ficando cada vez mais e mais debilitado, magrinho demais, sem ter o comando do seu próprio corpo e sem poder se expressar de forma compreensível: ele definhava aos poucos. Mas quando a morte chega, mesmo que seja mais ou menos esperada, nos pega sempre de surpresa. É sempre um choque. 

E eu chorei bastante. Por ele ter ido; pela minha mãe e talvez pela solidão que ela irá viver agora sem seu companheiro; pela minha irmã, filha dele e pela minha outra irmã, que ao telefone comigo me explicava chorando muito, como foi a sua partida: tranquila, sem dor e em paz. 

Em vida, quando ainda podia se expressar, meu padrasto não parecia querer saber de Deus. Mas foi a doença que o fez, e esta é minha esperanca, pensar na sua cabeça confusa, que o amor de Deus é maior que tudo. Ele teve bastante tempo para crer. E eu creio que ele teve a chance de conhecer a Cristo nessa época através do amor e do cuidado com que foi tratado esses anos. Também foi doente, mas com plena consciência, que ele soube do nosso carinho por ele, e ouviu de nós, o perdão que talvez precisasse ouvir. Acredito que em meio a confusão de seu cérebro, havia ali o agir de Deus mostrando-lhe que pessoas que antes foram feridas por ele e tinham razão para serem rancorosas, agora se importavam em cuidar dele. Meu padrasto deve ter percebido, com todo o cuidado e amor que recebeu da minha mãe e irmãos, que havia um amor maior que era capaz de curar  feridas, de salvar, de perdoar.. Amor que ele, na sua debilidade, preso a uma cama ou cadeira de rodas, poderia também acatar.       

Não sabemos com exatidão, da conversão do nosso padrasto àquele que segundo a Bíblia, é o caminho, a verdade e a vida, mas eu acredito e preciso acreditar nisso, que ele agora está livre da armadura do corpo doente, da dor e da vergonha de ficar tão dependente. Ele que por toda a vida foi tão orgulhoso... 

Sim, eu não sabia que ficaria tão triste com sua partida, mas fiquei. Ir para a casa da mamãe e não vê-lo mais ali, vai ser com certeza estranho e difícil para mim. Ele sempre esteve lá, com suas piadinhas chatas e sem graça, e seu jeito crítico de ser. Ou ainda, com seu bom humor, dancando com minha alegre mãe algum sambinha da Alcione. Estou triste, porque mesmo que tenha vivido muitos anos, magoada com ele, sei que ele foi o pai que tanto nos faltou, e nos alimentou por tantos anos. E eu não sei dizer o que teria sido de nós, se ele não tivesse entrado nas nossas vidas. Uma coisa certamente, muito especial, ele nos deu: nossa irmã mais nova, Núbia, nossa querida e divertida irmã. Aquela que Deus um dia, oito anos atrás, quando eu pedia em oração um jeito de perdoar meu padrasto, me disse: quando sentir raiva dele, lembre da pessoa que ele te deu, a Nubinha. 

Ali Deus me curou da raiva. E eu passei a ver meu padrasto como o único meio de ter tido minha amada irmã. E tudo passou... e virei grata.

Quero crer que agora ele está feliz, conversando com meu pai, minha avó e sua filha Cristina, naquele lugar que está definitivamente, ficando cada dia mais familiar: o céu.  



Comentários

  1. Uma pessoa muito querida que sempre me recebeu naquela casa com um forte abraço e me chamava de minha norinha querida ,uma pessoa que eu sempre tive muito carrinho sempre vai esta em meu 💗

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    1. Ele era sincero qd agia assim <3
      Divertido e bem humorado, o véio Garcia.
      Obrigada, querida!

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  2. Muito bonito minha irmã , belas palavras

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    1. Oh mana, bonita foi a forma como vcs o ajudaram e sempre estiveram presentes em todos esses difíceis anos da doenca. Que Deus guarde toda nossa família.

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  3. Meus sentimentos minha amada Nina, sei que o Senhor em meio a essa dor da perda, nos prepara para ela com paz e conforto. Um beijo no ❤️ de toda sua família.

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  4. Meus sentimentos! As lições que a vida nos apresenta...talvez não entendamos de imediato, mas mais tarde percebemos o quanto foi importante.Beijos de Luz!

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    1. Oi Bel, obirgada.
      Pois é, quase sempre é assim, a gente entende só depois...
      Bjs

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  5. Ah Nina, vc sempre tão sensível qd fala de si... Lamento por sua perda, que Deus te abrace. Sabemos que essas partidas para nós são muito dolorosas, nos privamos do luto, da despedida. Perdi meu querido sogro em dezembro, dói tanto ainda... EU ando pensando em voltar pra casa, o peso das renúncias que fiz, tem se tornado cada vez mais latente.

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    1. Oh querida Keila, sinto muito por teu sogrinho! Dói, dói mesmo. A morte nao é fácil pra ninguém...
      E quanto a voltar, eu te entendo, penso tbm muito sobre isso.
      É difícil viver estrangeiro, ne?

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  6. Oi, querida Nina!
    Já tinha lhe dado os pêsames pelo Face, mas reitero aqui à sua mãe, suas irmãs e família.
    Ahhh a casa de mãe tem esta aura de acolhimento e que só quem valoriza seus pais é que sabem o quão importante ela é para sempre em nossas vidas. Percebo isto agora que meu filho retornou ao Brasil e como ele sente prazer em nossa casa e nosso convívio, tinha saudades lá no fundo, mas não percebeu, só agora.
    E, falando em casa, no meu blog de poesias, recitei uma que justamente fala sobre a casa e sua importância. Passa lá qualquer hora: https://wwwmeandyou-meandyou.blogspot.com/2021/01/aquela-casa-poesia-de-marilene-narrada.html

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    1. Que bom saber, Beth, que teu filhão está de volta! Eles fazem muita falta, ne? Entendo os dois lados ;-)
      Vou sim, passar no teu cantinho pra ouvir, pode deixar!
      Bjs e obrigada

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