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Quando o espírito chora

Quando eu era menina, tínhamos na minha família, o hábito de todo domingo de páscoa, assistirmos todos juntos o filme sobre a vida de Jesus. Era algo como uma obrigacao, mas gostávamos daquele "ritual". Toda a família ia para nossa casa, que era onde todos preferiam se reunir: mae, irmaos, avó, tios, primas. E depois do almoco a tv era ligada. Essa cena é muito vívida na minha mente, é como se fosse hoje. Lembro do ambiente quente da sala de madeira, com brechas entre as ripas, por onde o forte sol amazonense entrava na casa. Do calor do teto de zinco. Das roupas que usávamos. Das molecagens dos primos, dos gritos e risos da minha mae, da minha avó, das tias. Do agradável aroma que vinha do preparo da comida. Ou do mingau de mungunzá com canela, que seria servido mais tarde. Tenho aquele cheiro de cravinho da índia, tao marcado na memória. 

Lembro de todo aquele povo reunido na sala: no sofá, nas cadeiras de balanco, no chao. Ao pé da porta. A tv laranja berrante, da minha mae, tao anos 70´s, com imagens  ainda em preto e branco e do pedaco de bombril preso à ponta da antena. 
Do barulho inicial e do silêncio no fim. Tenho a impressao de que todo o bairro se fechava na sala pra assistir Jesus ser crucificado. Até os cachorros paravam de latir, o vento que já é raro, parecia parar em algum lugar. Tudo se tornava silêncio.
Lembro dos rostos das pessoas olhando o filme. Todo ano a mesma coisa! Risos. Atencao redobrada. Silêncio. Lágrimas.

Tinha na época, uns seis anos, e lembro especialmente da sensacao que me invadia quando o filme terminava. Da extrema vergonha que eu sentia diante do que passou Jesus, o Cristo. Era terrível! Aquela casa cheia de gente e eu procurando um lugar onde pudesse chorar à vontade. Nao queria que ninguém risse de mim, que sempre me senti a boba da família. Entao, corria pro banheiro, que era fora da casa, e ficava lá, escondidinha, aos prantos. Chorava até nao aguentar mais, ressentida na minha dor e na dor de Jesus. Mas logo passava quando comecava a ouvir as minhas irmas e primas já se ajuntando no quintal para brincar. E melhorava ainda mais, quando éramos chamadas pra tomar o mingauzinho. - Nossa páscoa nao tinha chocolate, nem lembro disso... só lembro dos aromas e sabores da canela, de cravinho e de lágrimas...

Mas, o que me faz pensar nessa época, agora, que nem mesmo mais na páscoa estamos? 
É que eu estava pensando na sensacao que os filmes me passavam. Eu tinha raiva do povo que O sacrificou. Tinha raiva de Deus que permitiu que Seu Filho morresse. Lembro da minha cabeca, remoendo essa ideia, como pode um pai fazer isso? Porque Ele deixou Seu filho sozinho, abandonado naquela cruz? Lembro das palavras dele dizendo, "Deus meu, porque me abandonaste?" Como pode uma morte tao horrível? 

Hoje, posso agradecer a Deus, com uma visao diferente da que possuia naquele tempo, pelo "rasgar de véu" e de tudo o mais que aquela morte nos proporcionou. Só hoje entendo o imenso Amor do Pai. Hoje sei, que o Senhor Jesus nao foi morto por aquele povo realmente, Ele deu a Sua vida por nós (Por isto o Pai me ama, porque dou a minha vida para tornar a tomá-la. Ninguém ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho poder para a dar, e poder para tornar a tomá-la. Este mandamento recebi de meu Pai). O Pai teve que "abandoná-lo" por algumas horas em trevas para que NÓS pudéssemos ter a Sua luz. O que os judeus fizeram, nao é diferente do que hoje, nós, faríamos. O que mais doeu em Jesus, nao foram a humilhacao, as chicoteadas, os pregos, a cruz, o vinagre, o sangue escorrendo. Mas, foi saber que tinha que ficar por um tempo, sem ver a face de Deus, por nossa causa! Só de pensar nisso, algumas horas antes de se entregar aos soldados, Jesus suava como gotas de sangue... nao era medo da morte, como eu pensava até pouco tempo, (porque foi para aquela hora que Ele veio ao mundo), mas por saber que iria ficar um tempo sem ver Aquele de quem Ele nunca se afastou. E isso era uma dor que o Senhor Jesus nao conhecia. E tudo por nossa causa!

Eu nao sabia aos seis anos, que era o desconhecimento, a saudade e a distância do Pai que me criou,  que me fazia chorar. Eu nao sabia que era meu espírito que chorava naquele banheiro...  

Comentários

  1. Germano Luiz Ourique18 de mai. de 2015, 17:30:00

    "O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus." Romanos 8:16

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  2. Lindo relato! Também era meio religioso assistir esses filmes, mas não foi usada essa ocasião para fazer meu espírito chorar. Deles só me lembro dos efeitos especiais patéticos. Muito distante do que podemos imaginar do verdadeiro sofrimento de nosso Senhor Jesus!

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    1. Obviamente vc tem razao qt a distância que efeitos especiais mal feitos tem frente a real dor do Senhor, nem o melhor dos filmes feitos atualmente chegaria perto do que aconteceu ali... mas eu, com seis anos, nao tinha capacidade de ser tao crítica ainda ;-)

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  3. Lindo seu relato e correlacao de experiencias, minha maninha linda! Eu quando pequena chorava muito tambem ao ver esses filmes, Marcelino pao e vinho eu chorava como uma louca. A mensagem toca, tanto a mensagem consciente dos produtores do filme quanto a mesagem subliminar que a arte tem. Nao importa se e um filme antigo ou novo, com ou sem efeitos... Nossa epoca e diferente, nosso cenario e diferente, mas compartilho da emocao. Beijos no coracao

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    1. te amo minha docinho! a gente tem sempre a mesma opiniao, em tantas coisas, ne?

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