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Preconceito contra amazonenses

Faco parte de uma "minoria". Sou fruto de uma terra extraordinária, porém, frágil, onde sao as árvores que firmam o solo e nao o contrário. Sou índia, em termos. Em poucos pedacos de mim. Misturada, sim senhor! Mas índia com orgulho. Minoria por ter sido e ser, massacrada pelos brancos e pelos encardidos. 

Essa Copa tem trazido lembrancas à minha mente. Lembranca das vezes que fui maltratada pelo meu próprio povo, o resto do Brasil que se considera tudo, menos índio. Que se considera maioria. Grande coisa... 

O fato de minha cidade, Manaus, ter sido escolhida pela Fifa como melhor cidade sede da Copa, fez com que os pobres amazonenses, geralmente, acostumados a desrespeito, se sentissem um tiquinho valorizados. Elogiados, nao, obviamente, pelo seu próprio povo, claro que nao, mas pelos "de fora". Onde moro atualmente, na Alemanha, em qualquer lugar que vou e menciono de onde venho, ouco sempre um "oohhhhh", cheio de encantamento. As pessoas aqui amam o Brasil e sao fascinadas pelo Amazonas. No Brasil nao foram poucas as vezes que senti a repulsa das pessoas quando sabiam de onde sou. Já ouvi muita brincadeira sem graca e xingamentos "engracadinhos" do fato de sermos índios. É triste. Nao por sermos índios, mas por sermos maltratados por o sermos. Mais triste ainda, é notar que essa brincadeira tola e estúpida, machuca a integridade e o modo de se ver, das nossas criancas amazonenses. Nao é raro ouvir um xingamento entre elas próprias, "tu é uma índia mesmo! Sua caboca" dizem elas, sempre num tom pejorativo. Nao é raro vê-las chorarem, magoadíssimas, ao ouvir tal comentário. E nao é raro ver minhas próprias sobrinhas, entrarem na porrada, umas com as outras, quando sao assim xingadas. Nao adianta nada a tia Nina ir ter com elas e tentar explicar o quao bonito é ser índia. Elas nao querem saber. Se sentem feridas na sua beleza, ditada por modismos tolos da mídia e aumentadas pelos anos e anos de depreciacao e preconceitos, vindos do resto do Brasil: "Índio é feio, tia. Nao quero ser índia".

Nao sei se um dia o povo brasileiro se dará conta de que somos um povo. Nao uma raca somente, mas um povo. Misturados na beleza disso. Índios, negros, nordestinos, os gordos, os feios, os sem-bunda, favelados... 

Entao penso nos alemaes. Eles gostam de discutir essas questoes, gostam de ficar discursando sobre as diferencas culturais e nao compreendem porque pode haver discriminacao contra nós, os índios, dentro do Brasil, um país extremamente misturado. E sabe de uma coisa? Nem mesmo eles tem o direito de falar sobre isso. Sinto a mesma aversao sendo índia no Brasil que os "Bauer" devem sentir na Alemanha.  Bauer sao, literalmente, gente que trabalha com terra, em fazendas. Eles sofrem preconceitos aqui e as pessoas sao  assim denominadas, mesmo nao sendo realmente Bauer, quando se vestem mal, quando tem pouca escolaridade, quando comportam-se mal em sociedade, etc. O preconceito surge da ideia de que, quem trabalha somente com as maos, nao precisa de muito recheio cerebral.
Fato é que, alemaes tem problema sério com aqueles que nao estudaram feito "felasdamae". Pra eles, parece que tem valor, somente aqueles construídos na escola e posteriormente, na universidade,  o resto é tudo Bauer. E esquecem que seu próprio sistema escolar é um agente contribuidor para isso.
Entao, nao compreendo que eles se sintam superiores a nós, ao falarem dos índios. Eles sao tao preconceituosos como meus conterrâneos da parte "rica, produtiva e tao civilizada" do Brasil, que matam a pauladas e com fogo, um mendigo sem teto, por exemplo. 

Nao tomo mais parte em nada disso. Já nao discuto, já nao pesquiso, já nao me ofendo, já nao entro em brigas. A única coisa que sei, é que amo de onde venho e amo minhas raízes. Amo ver meus filhos que cresceram naquela terra, comentarem com seus amigos alemaes ou de outros tantos paises, o que faziam na infância. Amo que eles tenham lembrancas de tomar banho no rio, de remarem em canoas nos igarapés, de terem tido contato com macacos e tantos outros bichos, de terem uma mae que tem muita história pra contar, desde a comer formiga tanajura com farinha a ver cobras e sereias inventadas, na beira do rio.

No fundo, nao é isso o que importa?

Foto: Pedro Martinelli
AMAZONAS, eu sou dali!

Comentários

  1. Oh minha maninha, queria eu ser nao so sua irmazinha de coracao, mas tambem na aparencia! Te acho linda, bela, bonita de verdade!! Babo pela beleza do indio, da mistura, do branco, do negro, do oriental, mas babo mesmo e quando o interior da pessoa se exterioriza, fisicamente mesmo, a pessoa carrega consigo as expressoes, gestos e trejeitos... e voce nao e so linda pelos tracos, mas por todo conhecimento, experiencias, historias e sensibilidade ao outro. Tenho certeza que suas sobrinhas sao assim tambem. ;)

    PS: Ah... e o Pedro? Nossa, sou gamada nesse menino, que mistura perfeita, ele e muito gato! Se ainda houvesse casamento arranjado eu ja colocaria Elise na lista...kkkkkkkk

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  2. Ah, Nina... olha isso:
    http://oglobo.globo.com/mundo/alemanha-enfrenta-praga-invisivel-do-analfabetismo-13151102#ixzz36gvKezeO

    e:

    http://blogs.epb.uni-hamburg.de/leo/files/2014/01/9783830927754-openaccess.pdf

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  3. Nina, você é um espetáculo de pessoa, principalmente quando escreve assim, coisas das suas raízes, fazendo estes paralelos tão bem feitos. Pois não é que aprendi o que quer dizer o tal prefixo "Bauer", vejo-o sempre lá em Petrópolis nas festas alemães e não sabia, agora entendi melhor todas as danças que eles mostram, são mesmo de lenhadores, de pessoas que trabalham o campo e as moças vestidas como nossas caipiras ou prendas lá do sul.
    Faço ideia como os alemães veem com admiração e curiosidade quando você fala deste lugar mágico de onde veio. Só mesmo os muito ignorantes aqui do país para fazerem tal distinção com preconceito, pois sabemos que lá está a raiz verdadeira do Brasil e não este sudeste onde moro que é tudo cópia descarada dos ianques.
    Parabéns pelo lindo texto, amei!
    beijos cariocas minha linda indiazinha.

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  4. Nina, no fundo é isso o que importa sim!
    E eu que te conheço apenas por aqui no mundo dos blogs fico encantada, honrada em poder conhecer pedacinhos da história da menina-índia que tanto brincou no rio!

    Agora sei que Índio e Bauer são os que reverenciam a terra, a natureza, sabem e respeitam que é do solo que vem nosso sustento. E o quanto deveríamos aprender com eles.
    Quanto ao preconceito, como é triste e infeliz nos dias de hoje, nos dias da Copa comentários sobre a arena Manaus, tanto dinheiro pra que, pros índios? Tenho até vergonha de escrever isto, mas é real.

    Nina, aproveito para te pedir que se puder, escreva sobre a educação alemã ( escolas ) e também sobre como é a publicidade voltada para crianças aí; tem personagens nas embalagens?
    Beijo!

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  5. Nina, quando li hoje uma matéria pelo Estadão que dizia a triste notícia de que os índios do noroeste da Amazônia, lideram o grande número de suicídios no Brasil, lembrei-me de você e este belo texto.
    Vim aqui para deixar de presente o link do vídeo em homenagem à sua alma indígena:

    https://www.youtube.com/watch?v=N8hpK0lq5gk

    E o texto, coloquei lá pelo Face também. beijos cariocas

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  6. Ás vezes eu fico me perguntando se o "povo civilizado", algum dia, vai abrir os olhos. Será, Nina?

    Um beijo bem grande para uma campeã do mundo! Rs.

    Rê.

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  7. Eu amo esse rio da selva
    Nas suas restingas, meus olhos passeiam
    O meu sangue nasce de suas entranhas
    E nos seus mistérios, meus olhos vagueiam
    E de suas águas sai meu alimento
    Vida, fauna, flora, é meu sacramento
    Filho desta terra, da cor morenês
    Este sol moreno queimou minha tez
    Cabocla cheirosa, caboclo guerreiro
    Cunhantã viçosa, curumim sapeca
    Eu amo estas coisas tão puras, tão minhas
    Gostosa farinha no caldo do peixe
    Do banzeiro a canção
    E o mais farto verão
    Tudo isso me faz com que eu não te deixe
    Amazonas, Amazonas, meu amor!

    De uma caboca pra outra!! bjss da selva

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  8. Nina, sinto muito por você e por todos os outros índios. Não sinto e nunca senti qualquer tipo de preconceito por minha cor. Aliás, meu preconceito é inverso. Quando digo que sou negra, as pessoas tentam a todo custo me convencer de que não sou, como se eu estivesse me menosprezando ao dizer a minha cor. Tenho tanto orgulho da minha pele, do meu nariz, do meu cabelo, da história da minha família,que acabo prejudicando minha filha. Ela diz que o cabelo liso dela é feio, que queria ter o cabelo igual ao meu. E então explico para ela que cada pessoa é bonita do jeito que é, e tem que ser respeitada e admirada pelo que é.

    Beijos, querida!

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  9. É sim, Nina...o que verdadeiramente importa são as raízes bem vividas seja qual for o povo que as vivencie, pois, fazemos parte duma única raça, a humana, e só isso é o que importa.
    A diversidade que nos retrata deve ser motivo de orgulho nato, de originalidade na essência pura e natural entre o ambiente e seus ocupantes que apurando suas belezas as expandem e perpetuam.
    Bela menina-índia, vc é fruto das maravilhas que esta terra-brasilis tem.
    Um abração,
    Calu

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