Pular para o conteúdo principal

De menino pra menino

Este texto foi enviado pela Drida, uma querida que acompanha o Menina Feliz. Eu achei tão lindo, que precisava assim como fez a Drida, compartilhar com outras pessoas. O texto é do poeta Fabrício Carpinejar e se chama a
"A INFÂNCIA POR PERTO"

* * *

"Há homens que primeiro olham a bunda; outros caçam os seios e as pernas. Não que eu não olhe, eu olho só depois. A primeira coisa que procuro em uma mulher é a infância.

A infância estará nas mãos que seguram as saias, não nas saias. Estará no jeito que coça os olhos, não nos olhos. Estará na forma como penteia os cabelos, não nos cabelos.

É um temperamento, o modo como ela recebe as brincadeiras, o humor melancólico que recolhe as pequenas desaparições da bolsa.

A beleza de uma mulher está na infância que teve ou não teve. Naquilo que sofreu escondida ou escondeu para não sofrer. Naquilo que deixou passar e não significa que esqueceu.

O tempo de uma mulher não é o que está à frente, mas o que não aconteceu desde que ela pisou as unhas de esmalte.

Eu me interesso em reaver quais os nomes de suas bonecas, de seus cachorros, de seus gatos, onde dormia, se dividia o quarto com os irmãos, se lembra do cheiro do estofado do carro, do nervosismo da escola em fazer amigos, da estréia no palco nas apresentações do final do ano. O que me agrada não é o que ela domina, e sim o que ela colocou de lado. A sexualidade iletrada. A primeira vez em que a chamaram de moça, de mulher, a primeira vez em que usou um desaforo. Ela preparava sopa de folhas, matava formigas, produzia arco-íris ao regar as plantas, tomava banho de chuva, ficava doente antes das provas? Todas as perguntas inúteis me tranqüilizam, porque me devolvem o gosto dispersivo de não chegar a parte alguma.

Não quero o que ela já conhece, mas o que esqueceu. Reencontrar desejos é mais difícil do que criar desejos. Não ambiciono que uma mulher diga que começou a viver comigo. Que diga tudo o que não viveu comigo para que acompanhe e entenda suas escolhas. Talvez 'merecer' seja a senha. Não se conquista uma mulher, é preciso merecê-la. Receber um livro não é lê-lo.

Complicado contornar a pressa. Ou a grosseira de falar por ela. Não é respeitar, é merecer. O que envolve observar com os ouvidos, não impor o ritmo, não deixar que a intimidade seja apenas o corredor ao quarto. Que as palavras não sejam filhos indesejados. Ou que o silêncio não seja filho casual da distração. Que não sejamos óbvios de amar por amar, que amemos para nos recuperar, como pássaros que improvisam telhados num prédio abandonado.

E não é olhando a bunda ou os seios que teremos o que dizer. E esperando que a linguagem devolva a vontade de olhar da infância."


Para quem quiser conhecer mais do poeta, aqui está o blog dele


Comentários

  1. Lindo demais Nina! Nossa, que sensibilidade. Um texto que diz muito, atravez do simples! Realmente a mulher e o homem tbm tem muito mais a dar do que mera aparencia ou mesmo dizer do agora. Isso e valorizar o outro! Isso e mesmo amar! Lindo, lindo, lindo!!

    bjao grandao no coracao!

    ResponderExcluir
  2. Ahh Nina eu vou tirar umas fotos de uma roupa que comprei e te enviar por e-mail para ver o que vc acha ta? E para o casamento civil. Pq vc conhece o gosto daqui da Zoropa para essas ocasioes ne?!! hehehe

    bjus bjus

    ResponderExcluir
  3. Nina, ler esse texto faz a gente pensar e relembrar a própria infância.Que gosto maravilhoso tem todas as nossas lembranças mesmo que na época nos causaram vergonha, constrangimento.Como são doces as recordações do tempo de criança!

    Agora, você sabia que sou perdidamente apaixonada pelo João Gillberto?

    ResponderExcluir
  4. Olá!
    Conheço os textos dele através de uma indicação da Menina de óculos; são mesmo magníficos!
    Este, então, é de uma sensibilidade avassaladora...
    Bom dia prá ti, Nina.

    ResponderExcluir
  5. Que texto lindo... me fez relembrar a minha infância, coisas que eu tinha guardado lá no fundo e que agora fazem todo o sentido pra mim...
    Lindo, Nina. Obrigada por compartilhar.
    Beijocas!

    ResponderExcluir
  6. Que texto mais lindo e delicado. Quem dera todos os homens fossem assim, quem dera se todos percebessem nossas infâncias...Nelas está os anseios de adultos.
    Se todos olhassem para a infância, compreenderiam muito nossos desejos e expectativas de mulher.

    ResponderExcluir
  7. Lindo este texto, Nina!!
    O Fabrício é gaúcho, é uma figuraça, pinta as unhas e tudo.
    Escreve bem pra caramba.
    Adorei o texto!
    Quem dera mais homens fossem sensíveis assim!
    Bjokas!!!!!!!

    ResponderExcluir
  8. Adorei conhecer esse texto tão meigo, obrigada!

    Beijo!

    ResponderExcluir
  9. Que lindo, Nina! Deixa a gente até sem palavras, não? Podemos publicar nas páginas dos jornais? OU melhor, nas "revistas masculinas"?rsssssss...

    Beijo grande!

    Rê.

    ResponderExcluir
  10. Menina, que delícia este texto !
    Vou passar para uma amiga minha, professora de portugues ( com acento ou sem ?)
    Pode ajudar a cultivarmos a pureza e a ingenuidade nas adolescentes brasileiras, que precisam muito de textos afetivos assim...

    ResponderExcluir

Postar um comentário