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Samira e Marrakesh

Samira abriu a porta. É uma jovem senhora, de cabelos cacheados, que usa constantemente um lenco na cabeca. Dona de olhos muito vivos e nariz grande e reto. Tem um sorriso simpático e fala um inglês fluente, num sotaque afrancesado e árabe, se é que isso é possível. Meu menino encantou-se por ela desde o primeiro momento, quando ela mostrou o jardinzinho da Riad para ele (pousada). Ali se escondem pisos de mil ladrilhos coloridos, plantas exóticas com penduricalhos ao vento, bancos decorados com almofadas de mil cores, com espelhinhos e franjas, e muitos passarinhos. Em dias de exposicao de arte, essa pousada, comandada pelo simpático francês de Genève, Francois, recebe pintores, escritores, cantores, que se reúnem numa das salas lindamente decorada, para conversar, ler, tocar um instrumento fazer um sarau. Mas Samira é a melhor parte daquele lugar. Ela nos serve chá e eu me encanto com o sabor. - Qu'est-ce que c'est, Samira? Oh, c´est green tea, avec mint. Responde ela, misturando os idiomas pra me agradar, que metida, perguntei uma das únicas frases que sei em um francês capenga. 

Ela nos deixa à vontade e nos mostra o quarto simples, porém confortável. Saímos pra conhecer a cidade. Colocamos o menininho num carrinho e vamos andando. Horas e horas se passam, e nao cansamos. Só eu que fico a cada momento pior da gripe, e mais chateada com a fumaca das benditas milhares de motinhas velhas que correm pela cidade inquieta. Por todos os lados vemos palmeiras e laranjeiras. Vamos em direcao ao Souk, espécie de mercado ao ar livre, numa grande área no centro, onde vemos de tudo! A primeira coisa que chama a atencao é a barraquinha convidativa de suco de laranja natural, coisa raríssima nas bandas de cá onde moro. Tomamos o suco delicioso e continuamos nosso caminhar. Fujo das cobras africanas Naja e nao quero nem olhar pra elas, mas as pessoas que trabalham naquela grande praca chamam a todos que passam por ali. Há todo de coisa sendo apresentada. Cobras, macacos, músicos, vendedores de tudo,  mulheres que se oferecem pra fazer henna nas maos de outras, e até dentistas! Sim, no meio da praca há gente se dizendo, dentista! Quem se habilita a cobaia?

Decidimos ir comer. Temos o nome do restaurante, mas no caminho, pelo menos cinco homens surgem perguntando pra onde vamos. Falam o nome de todo tipo de lugar onde podemos comer e perguntam em várias linguas, de onde somos. Marido que é muito bem informado e nao dá um passo em direcao a um lugar neste mundo, sem antes ler muito a respeito, em livros de viagem, recusa toda e qualquer conversa desse tipo, porque sabe que eles só querem dinheiro. Bem próximo ao restaurante que achamos gracas ao incrível senso de direcao que meu marido, típico alemao super racional, tem, um menino vem até nós dizendo que o restaurante está fechado. Claro, como todos já haviam dito antes. Como, aliás, todos dizem em Marrakesh. Nao sei de onde eles tiveram essa ideia, mas todos dizem o tempo todo, a qualquer hora, a qualquer pessoa, que algo está closed. - "Nao vá lá, está closed. Vem por aqui mon ami, que eu te mostro outro lugar melhor!" E o bobo do turista será sempre levado a um canto onde algo estará sendo vendido. Igual nós dois bobos, uma vez. O homem na rua nos viu num lugar, nos seguiu e perguntou onde iríamos. Meu marido que nao é 24 horas do dia sempre racional e objetivo, esqueceu do que leu no manual e respondeu. O homem disse, "ohh, está closed!" Eu entendi a deixa na hora, marido nao. E o homem de meia idade, olhos verdes e cabelos grisalhos, mancando levemente de uma perna, nos guiou por ruelas que ainda nao conhecíamos. Marido entrou numa portinha e eu fiquei de fora. Havia homens árabes ao meu lado, falando alemao comigo.

Eles sao espertos, aprendem várias linguas, sao homens de venda, se viram com o que tem. E conversmos um bocado ali. Até que alguém veio, pegou o carrinho do meu menino e nos levou pra dentro da porta, onde encontrei um homem magro, com turbante, cabelos enrolados longos, dentes separados e vestindo uma longa túnica, explicando os mil tipos de tapetes para meu marido boquiaberto que certamente pensava como foi parar ali - O homem fazia gestos, falava sorrindo e fazia com que outros homens abrissem enormes obras de arte, feitas por mulheres que vivem nas montanhas. Mais parecia um ser de outro planeta, de uma outra época, falando num bom alemao, cheirando a incenso e dizendo coisas sobre tapetes, trabalho de um ano inteiro, sedas, pele de carneiros, energia cósmica entre ele e meu marido, e dinheiro, muito dinheiro. Puxei marido pra fora. Nao dá pra perder nosso tempo com compras que nao levarao a lugar nenhum. Como poderia eu levar aquela monstruosa preciosidade num aviao e colocar na minha casinha simples onde nada combina com nada? Pra que descombinar ainda mais? 

Vamos para o bazar que é melhor. Mas ali é outra tortura. Você ama tudo, porque tudo é muito lindo, mas perde a motivacao pra comprar quando nota que o valor cobrado é no mínimo, 300% acima do real. E que pra essa venda ser efetivada, você perde pelo menos 30 minutos só de papo... e no fim pode acontecer de nao levar nada, porque ninguém arreda o pé do valor que considera justo. Ai... esses mulcumanos e alemaes me enlouquecem! Prefiro olhar o movimento em volta. As mulheres passam por mim, parecem umas plumas ao vento, com seus muitos panos em movimento. Em Marrakesh, metade delas, eu diria, usa o véu sobre a cabeca, metade nao. Eu gosto delas, sao bonitas e sorridentes quando notam que você é mae e nunca peguei uma sequer olhando pra meu marido. Uma menina de uns dez anos, corre em direcao ao meu menino e lhe dá um beijo e um bombom. Ele fica todo feliz e ela também, que sai andando, olhando pra trás e sorrindo, enquanto leva seus paes árabes numa cesta, sumindo pela ruela alaranjada e empoeirada. Parece uma pintura.

Os gatos estao por ali, olhando tudo. Alguns dormem por sobre os outros, se aquecendo do friozinho de inverno ameno. A minarete grita. É a terceira vez que ouco hoje, a primeira me acorda todo dia, pontualmente às cinco da manha! Comeca a longa  ladainha do muezzin- cantor que faz um som caracteristico num microfone direto da mesquita. Passo por lojas e vejo homens ajoelhados, com seus tapetinhos virados para onde Meca está. Nas mesquitas, estao pregados na parede os horários em que os homens podem frequentá-las, e os horários das mulheres. Eles nao se misturam ali. E as mesquitas em Marrakesh, diferente de onde já estive, nao sao abertas a nao mulcumanos. Somente uma permite, mas eu sinceramente, nao tenho vontade de entrar. Passeamos até a noite. Almocamos naquele maravilhoso restaurante que o menino disse estar closed. Jantamos num outro interessantíssimo. Vou dormir estranha e cansada.

Acordo antes da minarete gritar seu primeiro canto do dia. Estou no banheiro vomitando, enquanto olho o jarro de barro que me lembra que Samira o arrumou  carinhosamente na janela de vidro que me apresenta os primeiros raios de sol de um dia a mais na cidade avermelhada. Dali a poucas horas, ela, ao saber que estou passando mal,  me dará uma mistura de erva pra colocar direto sobre a língua e que vai me fazer melhorar na hora.

Samira, querida Samira. Marrakesh, minha inesquecível











Comentários

  1. Que viagem massa Nina!!!!
    Fotos lindas e texto lindo!!!!
    bjos lindona!!!!!

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  2. Wow, Ninoca!
    Um relato cheio de sensibilidade sobre Marrakesh!
    E as fotos do Sirko estão fenomenais, até eu queria um copo de suco dessa laranja com miolo rosado! Deve ser uma delícia!
    Você ficou indisposta com o que, amada? Foi a comida?
    Espero que o mal estar tenha passado rápido e você tenha curtido muito seus dias pra lá de Marrakesh!
    Beijos


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  3. Adorei Nina! A tua narrativa me fez sentir como se estivesse passeando por lá! As fotos ficaram ótimas! Adoro as cores que são vistas por toda parte, a arquitetura...!
    Motinhos chatas hein!
    Quanto a questão de pechinchar; eles são realmente famosos por isto.
    Obrigada pela viagem que você me proporcionou com o teu relato!!!
    Beijos,
    Cody

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  4. Oi! Eu cheguei aqui através do comentário da Baú da Lola Diacuy. Sou apaixonada pelo Marrocos, é o sonho de uma vida ir conhecer, mas enquanto não posso estou aqui viajando nas imagens e no texto perfeito. Abraços!

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  5. Estive no Marrocos há alguns meses, e através do seu relato pude reviver as minhas experiências, que foram maravilhosas,
    Gostei muito, parabéns pelo texto e pelas fotos tão lindas,

    Abraço,
    Renata

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  6. Uma viagem, no mínimo,inesquecível! Tanto a ver, a contar, a lembrar! Beleza! bjs,chica

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  7. Viajei junto contigo Nina! Que delicia imaginar a Samira e todo zelo que ela tem. O que voce contou aisobre os golpes me lembrou um programa do National Geographic que mostra varios tipos de golpes pelo mundo. Fotos LINDAS!! Quantas cores!
    Xxx

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  8. Awww...Nina..que fofa a menina dando um beijo e um chocolate pro teu filho,ele não ficou vermelho não..rs?
    Deve ser uma curiosidade atras da outra viajar pra um lugar desses, eu ficaria doidinha,mas sacanagem ser caro, desanima mesmo!
    Menina...quer dizer que voce passou por uma fase braba com alguém? Putz, ninguém merece esse stress, tira a gente do serio,ne? Passei por uma decepção das brabas ano passado que tirou meu equilíbrio por um bom tempo, voltei ate a meditar depois dessa..rs!!
    Mil bjs!

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  9. Que narrativa fantástica, Nina! Adorei cada linha que você escreveu, com muito sensibilidade btw!
    Deve ter sido uma linda viagem! Suas fotos falam por si só.
    Espero que tenha ficado bem da indisposição.

    Bom, eu li seu comentário e fui correndo ver meus emails...me desculpa, mas só os encontrei hoje na minha pasta de spam. Te respondi. Muito, muito grata por tudo!
    Um beijo,
    Ana

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  10. Oi flor!!
    Que delicia viajar com você nestas linhas muito bem escritas...
    Estava com saudades de ler seus posts, ainda estou no Brasil!!! Volto depois do carnaval...
    Um super beijo

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