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Pra lá de Marrakesh

Acabo de pousar mais uma vez num chão árabe. Bem, não é exatamente árabe, é africano. Mas o idioma falado é o árabe e o povo mulcumano. Para mim entao, é árabe. Não é, menina! To confusa, perdoa.



A confusão do aeroporto me enlouquece. Sempre. Qualquer que seja o aeroporto. Mas ali já noto que estamos mesmo em terra onde tudo é um pouco diferente do que conhecemos. Não estou bêbada mas estou em Marrakech. Ainda não exatamente, pra lá de Marrakesh...


Já não sei mais como se escreve o nome da cidada na minha língua. Mas o país chama-se Marrocos. Nunca sei se o "s" no fim existe.

Há tanta gente na fila pra pegar o carimbo com um número em seu passaporte que tento me manter calma lembrando da música que me trouxe aqui. E Caetano poetiza na minha memória. "Você já tá pra lá de Marrakesh... Deixe de manha. Esse papo seu já tá de manhã"... Mas o aeroporto ainda não me diz nada sobre o lugar, apesar dele ser lindo! Trocamos o dinheiro, que tem um nome que ainda não decorei. Dirham? Pronúncia que sai como se você estivesse assoando o seu nariz, muito delicadamente, por favor. 



O idioma brinca com a respiracao e eu perco a minha enquanto observo. Como eles conseguem respirar nesta cidade cheia de ruelas e constantemente em movimento, com essas motocicletas velhas, caindo de podres, barulhentas e que soltam uma fumaça terrível? Minha gripe que já dava sinais de melhoras, certamente vai me fazer chegar em casa pior do que quando saí. 


A fumaça me incomoda muito. Pego meu lenço que tento em respeito às mulheres,  cobrir pelo menos, parte dos cabelos e prendo-o ao pescoço, cobrindo o nariz. A fumaça é mortal como sai daquelas coisas barulhentas ali, que carregam homem, mulher, três filhos e provavelmente um gato. Não muito diferente de onde venho, originalmente. 


Entrando pelas ruelas infinitas da cidade, penso que ali estarei livre das motocas, mas elas, atrevidas,  entram junto, não importa o tamanho do teto acima da sua cabeça, ou a largura entre as paredes e as pessoas. As motocas passam violentas soltando aquela coisa tenebrosa. Tento rir. Tusso. Chorar nao vale. A fumaca incomoda mesmo, mas o céu azul e límpido desse lugar me encanta. Andando pelas ruas de Marrakesh-kech-kesch? ..."Mexe qualquer coisa dentro doida"  Aqui alguma coisa acontece com nossos sentidos... 


São muitas informacoes visuais, é verdade. A cidade tem casas de cor avermelhada. Diferente dos outros países mulcumanos que já estive onde as casas tem cor de m* de gente doente. Assim como é a cor da minha casa na Alemanha! Abafa. Detesto a cor da minha casa! Mas não é minha, se fosse, teria pintado de turqueza. É um prédio.

Casas avermelhadas, mas a cidade é a da laranja. Tem laranja, a fruta, o suco, a árvore por todos os lugares.  


Mas é vermelha. No fim da tarde, quando o sol se poe, as casas vão tomando um tom avermelhado, assim como o rosto das pessoas e as laranjas. Muito característico de Marrakesh. Assim como o prato típico, sempre servido em tajines. E há bichos na ruas. Muitos. Cavalos, burros e gatos. Muitos gatos, em cada esquina. 


E tem cobras Naja saindo de cestos, onde homens tocam flauta pra elas surgirem. E elas surgem ali, no meio da praça lotada. E eu fujo! Homens e cobras estão no meio da praça! Nao entendeu ainda, menina, que "Você já tá pra lá de Marrakesh"?


Alguns meninos se juntam de repente em um enorme bando e tocam pandeiros. Alguns gritam com a língua (cumequié??), outros dançam. Na rua, ninguém para pra olhar de verdade, são só moleques. Eu quero parar. O batuque é bom e eu gosto da danca. Mas o bebê diz pra irmos ver outro bicho, "vamos Mama, bitte!" OK, outro bicho é melhor que a tal da Naja, que eu desconfio que esse povo nao é louco de por uma das mais perigosas cobras na rua. Será que eles nao colocaram essa capinha super super sobre a pobrezinha pra parecer uma Naja?


Passeamos pelos muitos bazares, e o menino encontra não somente outro bicho, mas todos os tipos de coisas que um  bazar árabe pode oferecer. Aliás, não completei a frase dos sentidos que Marrakesh liberta. A cada dez passos que damos, sentimos um aroma diferente. De temperos, a comida, de chá, a flores, de óleos, a carne, a folhas. Tudo é perfumado, tudo libera um aroma específico. Só a fumaça da motocicleta velha, fede. Tudo é sujo, tudo é velho, mas tudo tem aroma.  Tudo! É incrível! A cada dez passos você já tá pra lá de Marrakesh


Ali, naquele lugar onde tudo é pobre, mas é rico. Onde tudo era pra ser feio, mas é bonito. Onde tem lixo na rua, mas nao tem rato! Oh, obrigada gatinhos! No bazar, no meio de sabores, aromas, temperos, panos, luminárias, velas, sabonetes, perfumes, palha, folhas de todos os tipos pra fazer chá, hennas, menininho ainda encontra tartaruguinhas e camaleoezinhos. Tao pequenininhos que cabem no seu dedinho. 


Ele se encanta com o movimento dos olhos do bebê camaleao. E o olho da máquina do papai deixa tudo em foco. Enquanto eu, desfoco. Quero tudo e nao quero nada, porque sei como é comprar em país mulcumano, aqueles loucos por venda! Loucura, desisto no meio da compra, porque não aguento a demora que dá pra fazer uma compra. Barganha é uma coisa para a qual eu definitivamente, não nasci. Mas meu marido sim. Deixo-o barganhar, ele é bom, mas aquele povo culturalmente preparadíssimo pra inventar preços que nem existem, é muito melhor. 


Quero pausa pra tomar chá, o maior vício em Marrakesh. Todo mundo toma chá o tempo todo e eu nunca senti um sabor tao delicioso servido em forma de líquido, quanto o chá de ervas que eles fazem, ou o de menta misturado com chá verde... Infelizmente, por alguma razão que nao sei explicar, o chá marroquino é o céu no primeiro copinho, e vai descendo de posicao, conforme tomo o próximo copo, até chegar na terra esfumaçada  pelas motocas, no último. Nao sei a razao. Tao chateada por nao saber o porquê...


Mas vale  sonhar que o primeiro gole tomado no copinho de vidro, bonito e decorado, onde foi sempre entornado da chaleira linda de metal, vai perdurar por todos os goles... Olho os cafés na cidade. Noto que nao há uma mulher sequer. Todos estão cheios de homens. No bazar também, só os homens vendem e trocam. Nao há mulheres nesse serviço. Nunca! Elas estao trabalhando também duro em algum lugar onde sao permitidas, ou cuidando da casa e dos filhos. São simpáticas comigo, mas muito sérias na rua, diferente das meninas, que ainda curtem sua liberdade, antes de virarem mulheres cobertas de panos e de responsabilidades. Algumas vi somente os olhos. Mas sorriem, falam bonjour.

Não disse antes, em  Marrakesh fala-se francês como segunda língua. Alguma coisa eu entendo. Mas como estou pra lá de Marrakesh, misturo tudo. Português, alemão, inglês, francês e ainda termino uma frase muito doida com um gentil e meio perdido na frase, shukran (obrigado, em árabe). 


Meninos correm ao encontro do meu menino. Que fica atarantado, mas espera pra ver o que eles vao fazer. Eles o cercam e o beijam, um por um. Assim como os homens o fazem nessa cidade interessante. Vejo homens de mãos dadas o tempo todo, se cumprimentam com beijo. E fazem um sinal tocando com a mão direita no peito, do lado do coracao quando encontram um outro homem que está numa distância meio grande. Bonito isso. Porém mulheres e homens são proibidos de manterem contato físico em público, nada de mãos dadas, abraços e muito menos beijinhos.


Dou a mão ao marido.
Beijo o filho. Tusso mais uma vez e ouco Caetano na cabeca.
E ainda faltam quatro vezes pra aquele muezzin me dar um susto, quando comecar a cantar bem alto, nas minaretes, lembrando as pessoas que é hora de se virarem para Meca...

É. Eu estou pra lá de Marrakesh.
***
ps. nao se preocupe querido leitor, já estou recuperada da loucurinha, da gripe e de volta ao lar ;-)

Comentários

  1. Nina, que vivência incrível! Quantas cores. E os aromas, a gripe te deixou sentí-los? Conta mais!
    Beijo.

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  2. Post lindo.
    Fotos espetaculares.
    Espero que ainda tenha uns 3 posts sobre sua viagem.
    Beijo, Nina.

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  3. Nina querida....que fotos maravilhosas são essas??? Imagino quanta coisa você não deve querer fotografar em um lugar tao diferente!
    Aproveite muito!!!
    Bjks!

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  4. Que lugar interessante, tenho muita vontade de ir para essas bandas algum dia. Teu texto ficou uma belezura, vc sabe descrever como ninguém as coisas bonitas que vê por aí. E as fotos ficaram um espetáculo, lindas mesmo.
    Beijos

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  5. Nina, que viagem bacana! Tenho certeza que você voltou de lá diferente de quando chegou, um lugar tao diferente assim mexe com a cabeca e o coracao da gente. Amei as fotos! Vc se aperfeicoa cada dia mais! Beijos, minha querida!

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  6. Que delícia de texto Nina, viajei com você agora... muito bom!

    beijinhos

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  7. Amei Nina, vou compartilhar. Amooo os chás do Marrocos.

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  8. Lola Diacuy me apresentou seu blog, adorei, amei, não saio mais daqui!
    Que viagem...tudo do mundo árabe, ou africano...ah! o Oriente Médio, pode ser? me fascinam!
    A cultura, os costumes, as paisagens, as cores e os sabores.
    Lindo post, parabéns!

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  9. Oi Nina!

    Que postagem linda!!!
    E as fotos?
    Gente... que alegra a minha poder conhecer, mesmo que através das suas belas e caprichadas imagens, este lugar incrível, cheio de cores, detalhes e curiosidades.
    Amei!
    Beijos!!

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  10. Adorei Marrakesh vista pelo seu olhar, lindas fotos, lindo lugar. Abraçao

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  11. Aaaaa-dorei! Então estavas pra lá de Marrakesh, que delícia! Suas fotos estão magníficas e a forma de contar a viagem encantadora, deu até pra sentir os aromas que falou.
    A imagem da laranjeira nas ruas me transportou para Sevilha que tem muitas dessas árvores e uma forte influência árabe. São lugares que ficam dentro da gente para sempre.
    Pedrinho está ficando viajado e fiquei pensando nos menininhos beijando-o e ele, com os olhinhos apertadinhos, sorrindo pra eles. Que cena linda!
    Beijão carioca, saudades.

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  12. Nina,
    Dias atrás, num programa de tv brasileiro chamado Cidades & Soluções, vi sua Friburgo sendo vangloriada como uma das cidades mais verdes do planeta.
    Imagino como deve ser pra você sair do verde e cair no vermelho, um vermelho cheiroso, com pompas de ervas e hortelã, mas também um vermelho fedido, com cheiro de querosene.
    Viajar realmente é se disponibilizar ao novo... E observar com estes seus olhinhos curiosos belezas diferentes e enriquecedoras.
    Adorei as fotos.
    Beijos!
    Márcia

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  13. Pelo jeito e uma cidade dos sentidos! Barulhos, gostos, cores, texturas... Adorooo a textura das paredes. Eu tambem fugiria das cobras... sei la, sei nao. rsrs
    Oiaaa... eu to contando os dias, viu! hehehe \o/

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  14. Nina !! quanto tempo!
    num sei nem se você lembra de mim, de tanto tempo que faz, mas quero dizer só uma dica: Já chorei muito lendo seus posts rs!Mas que lugar lindo por aqui como sempre...e as fotos então? espero que sua familia esteja bem e com saúde, beijo enorme !!

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