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O idioma francês e eu

A primeira vez que ouvi, foi amor à primeira vista. Fui apresentada àquele idioma lindo através de uma querida professora. Marilene. Baixinha, cabelos pretos, tipo chanel, óculos arrendondados. Estava na sexta  série e naquela época, francês era matéria obrigatória. Eu adorava ir pra escola nos dias das aulas de francês. Amava ouvir as conjugacoes dos verbos, notar que conseguia aprender rapidamente, amava o jeitinho agradável e melodioso da pronúncia e principalmente, curtia muito ouvir as músicas que a prof. Marilene colocava pra ouvirmos. Alouette, gentille alouette...

Tive os melhores amigos na escola nessa época e duas delas sao grandes amigas até hoje, minhas muito amadas Simone e Vanessa. Essa última, por sinal, filha de um francês.



Nunca mais tive tempo de estudar meu idioma preferido, pois da sétima série em diante, só tínhamos aulas de inglês e com o tempo, só guardei em mim a boa lembranca da época que vestidinha de uniforme azul e branco, de sapatinho preto e meias brancas, ia ouvir aquele lindo idioma e sonhar andar pela ruas de Paris. Estudar francês se encaixava perfeitamente na menina que eu era. Menina feita de sonhos. Tenho a impressao de que se me pegassem e apertassem, eu me transformaria em nuvens cor de rosa, explodiria em mil estrelinhas, viraria pó de pirlimpimpim... sairia de mim, enfim. Porque  os sonhos eram meu melhor refúgio e eu era cheia deles. Era daquelas que andava pela rua pensando nao andar, mas voar num tapete voador, encontrar um anel mágico escondido na grama, conhecer meu príncipe encantado - que por uns dois anos, foi o Ray do Menudo - sonhava acordar gente grande como num passe de mágica, encontrar os personagens dos livros que lia, uma pequena grande sonhadora. Essa era quem eu sempre fui.
Mas aquela língua nunca me deixou de verdade. Os anos passavam e eu sempre lembrava das palavras que Marilene nos ensinava. Certa época, logo depois que Laura nasceu, eu assistia apaixonada nos intervalos de programas de TV, um comercial de um curso de francês que vinha com apostilas e  fitas cassete. Na época, o meu marido estava desempregado e éramos dois universitários duros. Mas eu sonhava poder ter aquelas fitas nas minhas maos. Lembro da mulher no comercial com uma toalha na cabeca, deitada numa banheira enquanto estudava falando pra câmara: Francais, naturellement.. com aquele sotaque charmoso que ouvia quando tinha 13 anos... 

Entao, meu marido um dia me surpreendeu com uma caixinha daquelas. Era somente a primeira parte, nao lembro exatamente, mas o dinheiro só deu pra comprar talvez, uns  20%  do total do curso. Mas aquilo pra mim já era um sonho realizado. 

Laurinha era um bebê de três meses. Eu colocava as fitas pra ouvir. Entao ouvíamos pessoas conversando, com música ao fundo, junto com os movimentos da rua, dos supermercados, da cidade, talvez em algum lugar qualquer na Franca. Eu pegava Laura nos bracos, girávamos e ríamos sob um teto de zinco.

Como eu gostava daquilo! Eram meus mais tranquilos momentos do dia, num casamento bastante conturbado pelas dificuldades dos dia a dia. Se alguém visse de fora, seria no mínimo, uma cena curiosa. Uma jovem mulher nao muito feliz, levemente mal tratada, abatida até, com um bebê muito pequeno, morando numa velha casinha de madeira, com banheiro comunitário, cheia de ratinhos noturnos, muito pobre, marido desempregado.. mas ao mesmo tempo uma casinha cheia de livros, música boa num velho radinho, e a moca sentada à frente da única xícara de café solúvel com leite, numa mesinha improvisada, com uma flor de plástico em cima, sonhando um dia poder usar o que ouvia numa fita cassete... 

Escutei muita risada e palavras de deboche do meu duro marido, que ria da menina que nao tinha pé no chao, que sonhava aprender aquela estranha língua "afrescalhada" e que parecia nao enxergar a realidade em que vivia. Nós tínhamos um longo caminho até nos formarmos, até lá, muita luta pelo trajeto, muita cabecada, muito choro. As fitas ficaram velhas, davam defeito, a fita enrolava direto, as apostilas ficaram gastas porque eu só tinha aquelas e as usava sem parar. Eu me agarrava àquelas páginas como se elas tivessem o poder de me levar pra longe...
Nao podiam.



Anos se passaram. Na faculdade, ainda apaionada pelo francês, fiz uma aula especial com uma professora jolie et très chic. Meus primeiros cds quando compramos nosso primeiro aparelho de som foi uma maravilhosa colecao de músicas francesas que eu ouvia todos os dias. As criancas cresceram ouvindo esses três cds. 
...

estive em Paris. Moro há menos de uma hora da Franca. Ouco francês constantemente pelas ruas da cidade que moro. Minha filha fala francês quase que fluentemente - na escola ela escolheu francês como língua estrangeira. E ontem, encontrei meus cds guardados numa caixa antiga. Desde ontem nao tiro meus cds do aparelho. As músicas tocam alto na casa. Pedro ri de mim girando pela sala. Meus dois filhos maiores lembram de todas as cancoes, dizem que sao tao nostálgicas e tao a minha cara. Laura, hoje com 19 anos, canta junto com ótima pronúncia. 

E eu lembrei da minha paixao. Decidi voltar a estudar francês. Mesmo tendo ainda um péssimo alemao e com poucas chances de realmente aprender algo. 
Que se dane!
E viva os nossos velhos e bons sonhos.

Comentários

  1. Nina
    Mergulhei fundo nas músicas francesas.
    Eu tive também francês no Colégio Santos Anjos da quinta série até a oitava. Mas eu nunca tive aptidão para idiomas.
    Me lembro que mama~e ficava comigo me ajudando a decorar .
    Para mim foram nos de martirio desta lingua tão custosa.
    Os anos passaram e conheci Paris.
    E hoje lendo o seu texto me recordo de Irmã nos ensinando e colocando estas mesmas musicas. Que ela nao traduzia mas que achavamos lindo!
    Obrigada por me fazer recordar!
    com carinho Monica

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  2. Nina querida,
    me vi em cada descrição tua.Fui uma menina assim como vc, pisando em flores numa estrada cor de rosa que somente eu via.Cresci apaixonada pela língua francesa que me foi apresentada por minha avó, outra apaixonada igualmente.Meus filhos também ouviram muuuuito Mireille Matthie, Charles Aznavour, Piaf...e quando me aposentei fui realizar este sonho de matricular-me num curso de francês.Fiz 4 anos de estudos.Agora quero buscar conversação.
    Saiba que vc dará conta sim, dos estudos.Não há idade marcada para aprendizagem.
    Allez, ma belle!Bonne Chance par toi!
    Bizous,
    Calu

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  3. Cara Nina, acredite se quiser, acabei chorando com seu relato, senti que aquela sementinha que você plantou lá atrás, deu bons frutos, afinal ver os filhos realizando nossos sonhos é quase se nós mesmos os tivessemos feito. Dá uma sensacao maravilhosa de realizacao. Sonhe, faca o que puder e tiver vontade, porque isso é um pedaco de felicidade, e ninguém te tira os momentos alegres e felizes da memória. bjs Elo

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  4. Ninoca, que coisa linda esta história de sua vida, pois ela é a realização plena de um sonho e você acabou de provar que quando queremos muito uma coisa, ela pode acontecer.
    Fiquei aqui pensando e realizando a imagem da menina no quarto pobre e ouvindo músicas francesas, que contraste incrível!
    Também estudei francês na escola e agora depois de mais velha, reavivou-me a vontade de estudar novamente, mas descobri que é uma língua difícil, precisa estudar muito e fazer conversação, mas se você quer tanto, caia de cabeça e vá em frente!
    bisous cariocas


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  5. Nina, emocionei com esse texto, poderia usar muitos parágrafos em forma de "meus". Com lágrimas, uma tbm sonhadora, menina, amazônica.

    Keila

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  6. Caramba, você escreve tão bem e ainda tem o dom de me recordar essas musicas

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  7. Belin Bernarda ficava comigo..
    Musicas super!
    Morando

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  8. Hoje veio na minha lembrança do face e postando novamente em lagrimas voktei á nossa sala de aula com nossa Profa.Marilene uma baixinha tão querida que nos abriu a esse universo francês, também tive as coleções de vinis e enciclopédias que me alimentaram a alma e alimentam até hoje! Em breve estarei a uma hora de distância de vcs e
    juntinhas estaremos rindo e chorando de felicidades por ter vivido tudo isso! Te amo mana! Muitas saudades...

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