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A filha

Entao ela sai. Bate a porta levemente. Dá pra ouvir chamar o elevador.  Lá dentro deve estar colocando as botas pesadas: ela sempre sai com os sapatos na mão. A mãe nunca entende o porquê da pressa...

Antes, pegou suas coisas: sua bolsa bonita de tecido japonês, seus fones de ouvido, colocou suas meias-calcas coloridas, seu casaco e saiu balançando sua sainha de tule. No rosto, leva um discreto sorriso, um batom, um rímel no capricho. A bochecha levemente rosada, a franja que cai na testa, uma touca grande, colorida, afrancesada. Na bolsa leva certamente um, dois ou três livros que vai ler no bondinho, um creme para os lábios, a carteira, o celular. Alguma peca pra trocar na casa de uma amiga qualquer onde vai dormir aquela noite. Na semana passada, aproveitou que a mae nao estava em casa e reuniu uns bons amigos para uma noite de pocker. Diz ter ganho alguns trocados: estou ficando boa nisso. Devem ter rido muito, ouvido muito música - às vezes a mae pensa que talvez os vizinhos tenham reclamado, afinal umas seis meninas e uns quatro meninos na adolescência, nao devem ser muito silenciosos. Devem ter tomado algum vinho barato - o dinheiro de estudante é muito curto - e acabado com tudo o que fosse comestível na casa. Dormiram todas as meninas na casa. Tem dias que ela faz isso, e quando a mae acorda tem menina pra todo lado, jogada pelo chao da sala - nao cabem todas no quarto. É tao juvenil isso na casa.

Ela pode. Ele pode. Sao bons filhos... a mae tenta se esforcar pra crer sempre na bondade dos dois, é o que espera deles: que sejam boas pessoas. Já desistiu de receber obediência. Mas nao cansa de querer educar, mesmo que a amiga já a tenha avisado: nessa idade nao se educa mais! É hora de ver o que eles aprenderam. Mas a  mae faz "ouvido de mercador". Nao desiste. 

Muitas vezes ela chega da rua alegre. Vai direto pra cozinha onde sabe encontrar a mae envolta em seu avental e em seus pensamentos, elaborando planos de cozinha como se fosse uma bruxa preparando pocoes mágicas, colocando os temperos nas panelas, olhando o livro de feiticarias apetitosas. Ela senta e abocanha uma maça: - "Algum dia no futuro, eu vou ouvir essa música e vou dizer: essa aí tocava na cozinha da minha mae"  Vai lembrar assim como lembra das músicas que tocavam na casa do pai. Gostava de ser acordada por ele bem cedinho e já ouvir as cancoes: "Papai ouvia ótimas músicas". Hoje ela apresenta cancoes às amigas, que nao conhecem de onde ela tirou aquilo. Ela sempre tem coisas novas e diferentes pra mostrar. 

E tem raros dias em que ela chega chata, falando meio que resmungando. 
Ontem disse que a mae abusou do direito de ser mae: "Mae, vou te bloquear no facebook

 

Depois parece ter se arrependido, ficou toda boazinha, sabe que tem que ter cuidado pra nao magoar aquela que lhe pôs no mundo. Mas a mae nem ligou: Fique à vontade minha flor, eu nunca na tua idade teria minha mae como amiga em porcaria de facebook.

E assim a vida continua. Com cuidados, carinhos, com o conhecer do caráter dos filhos, com chás, biscoitos, flores, músicas, bruxarias na cozinha, conversas e amor. Mesmo que uma dê patada na outra de vez em quando. Como ela mesma diria, querendo mostrar seus dotes na língua francesa que aprende na escola: C´est la vie maman...

Comentários

  1. Que crônica linda e eu gosto muito do que encontro aqui.

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  2. Nina, marejou meus olhos este teu post.
    Que retrato lindo intenso de mãe e filha. Senti a alegria juvenil aqui no meu peito. Quero em breve encontrar garotas dormindo também na sala e vou me lembrar de você com tuas doces palavras!

    Ah! Eu não moro naquele lugar lindo não! Lá estão meus sogros. Estou bem urbana atualmente, quem sabe um dia eu abra a janela e me depare com montanhas?!
    Bj

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  3. Ô Nina! Que coisa mais linda! Como só tive meninos, aqui as reuniões eram para jogar botão. Lembra? Acho que esse jogo só tem aqui. Volta e meia eles "roubavam" meu lustra móvel para encerar a mesa.

    Curte bem essa fase Nininha. Essa bagunça é a melhor de todas.

    beijos

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  4. rsss...Essas coisas entre mãe e filhos são assim. Mudam só de endereço! beijos,chica

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  5. Ah, que lindo texto Nina!! Com certeza são essas recordações que ficarão guardadas na memória, não o presente caro, que muitos pais insistem em dar para os filhos achando que isso substitui a troca dessas pequenas carícias diárias. Bjs pra vocês duas!!

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  6. #Emocionada# Adoro "ler" o seu amor pelos filhos, pela vida...Como pude passar tanto tempo sem passear por aqui?!?!
    Bjs mil

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  7. Ah mamae, esse negócio de te bloquear no facebook realmente te abalou, né nao?
    Nao esquenta, você recebe as notícias do que se passa na minha vidinha banal sempre ao vivo e em cores, nao precisa de redes sociais exageradamente viciantes e over-valorizadas pra isso.

    Te amo, mesmo sendo essa mae coruja meio micosa, valeu?

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  8. olá, Nina...muito obrigada pela visita e pelas palavras carinhosas...beijos.

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  9. Oh Nina, emocionada aqui. Nossos filhotes cresceram rapido demais.
    Saudade enorme de vcs.
    Bju

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  10. Tá tão linda, a Laura. Sempre instigante, sempre ela. Saudades.

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  11. Belo texto! Tem cheiro de família mesmo!

    Beijocas

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  12. Nina,
    hoje que li seus últimos dois posts...
    Primeiro post lido "quartinho do Pedro", que graça!!! Valentina tem duas coisinhas iguais a dele, a estante branca e o lance vermelho de colocar brinquedos...
    Adorei as coisinhas dele...
    Segundo post... muito bem escrito, parecia que estava lendo um capítulo do livro e de repente o livro acaba e você quer mais...
    E esta foto é sua filhota??? não a conhecia... LINDA!!!! LINDA!!! LINDA!!! que traços fortes... faz um post tipo book dela pra gente ver.... rsrsr... Ela vai adorar né??? estou sendo sarcástica, pois parece que ela não iria curtir... mas diga a ela que ficaria bacanérrimo um book dela!!!
    beijossssss flor

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  13. Então, vou ter que estender a paciência, né? Por que qual é mesmo a idade da Laura? A Valon ta com 13 e hoje ja "quebramos o pau".Atrevida, essa menina!
    Meu melhor método para lidar com ela é lembrar que eu ja fui assim.

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  14. Nina, não acredite! Sempre educamos os filhos, seja em que idade for...Não podemos perder nosso sagrado direito de querer o melhor para eles, sempre.
    Sua menina me parece linda por dentro, seu trabalho deu bons frutos, tenho certeza.
    A foto é dela? Muito linda, a menina e a foto.
    Continue sendo a mãe que é, eles sempre agradecerão, mesmo que não pareça!
    Beijo na Laura e em você.
    (amo o nome: Laura)

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