Certo domingo, num de nossos muitos
domigos de passeio para os banhos de Manaus, quando tava todo moleque
arrumado pra sair, afoito pra pegar o ônibus, da família, sair cantando
"se esse carro não virar olê olê olá, eu chego lá..." cheios de
baldinhos, biquinis, toalhas de banho, mamães carregando valises com
gelo, água, pratos e comidas, loucos de alegria para mais um domingo
lindo, de muito sol e areia, num dos igarapés de Manaus, minha avó, que
deveria estar doentinha e não poderia ir com a gente no ônibus, aparece
perto da saída da turma. E ela
me olha com o olhar mais triste do mundo, o olhar mais triste que uma
vovó pode ter, e me pede pra ficar com ela aquele dia. Me promete um
monte de coisas, pra eu ficar em vez de ir... mas como eu poderia
ficar? Tava todo mundo se preparando pra sair, todo mundo animado, todo
mundo feliz, tinha irmãos, primos, tios, mãe, todo mundo, e tinha
também salada de legume que as tias cortaram juntas na cozinha da
mamãe, tinha farofa e tinha galinha assada, tinha guaraná, tinha bolo,
tinha água geladinha do igarapé, tinha o sol, tinha até cobra pra gente
ver no meio do mato, como eu poderia deixar aquilo tudo e ficar na casa
da vovó?
Eu
disse não pra minha vovozinha, "poxa, vó eu quero ir"... eu não falei, eu não pedi pra ela me entender, eu pensei somente dentro da minha
cabeça tudo isso, como uma música que toca por dentro da gente e que
ninguém pode ouvir, "por favor vovó, entenda, eu preciso ir, eu sou uma
menininha, quero brincar, por favor, me deixa ir, eu volto, volto logo
vó, prometo"...
Eu
acho que ela não podia ler pensamentos... ela ficou tão triste me
olhando de fora do ônibus e ele deu a partida, e ela ficou ainda me
olhando, e o ônibus saiu, eu olhei pra ela lá atrás, e acenei, me
sentindo a criatura mais culpada da face da terra, me senti tão
culpada por escolher a alegria do passeio à quietude do quintal do
vovó e seus bichanos, eu me sentia muito querida por ela, eu sabia que eu era a
netinha querida dela, e eu me senti muito feia por dentro, por abusar
desse amor, eu sabia que ao voltar, ela me perdoaria, por isso eu fui.
Com lágrimas nos olhos.
Chorei
ao deixar a vovó ali, me acenando triste enquanto o ônibus ia dando a
curva. Mas logo depois, me sentindo melhor, pude aproveitar bem o
passeio. A vovó ficou acenando no meu pensamento, e eu já não via a
imagem dela na rua, só lembro de brincar muito e ouvir minha mãe falar
para eu não ficar triste, que a vovó entenderia depois. Que ela era
assim mesmo, teimosa.
E na volta pra casa, fui deixada na porta da casa dela.
E
ela estava lá, com o mesmo sorriso alegre de sempre, e me apertou nos
braços fortes mas de pele meio flácida e macia que ela tinha, e eu
sentia o cheirinho de lavanda do seu pescoco, e depois do nosso abraço
de saudade fomos tomar açaí, ou comer peixe frito, ou quem sabe, comer o
tutano do boi com farinha e açúcar, como só ela e eu fazíamos em
segredo, escondido da tia Luisa e falar como foi o passeio.
E ela já estava bem de novo. Sorria de novo.
Minha vovozinha querida...
vovozinha querida!
***
Este é um post que foi escrito no meu outro blog. Ele é pra você. Desejo que você sempre tenha alguém lhe aguardando quando voltar...
Ahh Nina que história linda. Não convive muito com minhas avós, mas agora sinto a sensação de ter alguém me esperando e é a minha pequenina filha, quando chego em casa ela logo diz "Mamãe que bom que você voltou, eu estava com saudades".
ResponderExcluirBeijos e bom fim de semana!!!
Lindo, Nina. Tão bom um amor assim.beijo, minha linda, saudades
ResponderExcluirBerê
Eta Nina... que faz o torrão de açucar aqui chorar...
ResponderExcluirMe fez lembrar da minhas avós, o cheior de lavanda, esse lembro bem, uma delas usava aquela"agua de Rosas" (lembra??? er acor de rosa mesmo o vidro e escrito branco).
Uma avó era mais vaidosa e tinha um genio forte, mas amava mesmo assim... a outra tinha um genio bem melhor, e tem horas que me culpo de não ter dado tanto importância a esta avó... não sei explicar ais foi assim, com uma eu tinha um zelo todo, justo a do genio forte... e a outra não sei por que não tive tanto afago e talvez ela tivesse mais carinho por mim... as duas já se foram a anos, alias não tenho mas avós.
Seus textos me trazem sempre algo na lembrança...
beijos flor e bom domingo!
Qualquer criança ficaria dividida entre um passeio legal e o carinho da vovó, mas o consolo de todas nós é igualzinho ao teu:as avós estão sempre de braços abertos e carinhos prontos pra seus netos e netas.
ResponderExcluirObrigada pelo caro desejo.O mesmo pra vc, Nina.
Bjkas,
Calu
Olá Nina!
ResponderExcluirHistória emocionante... as avós são mesmo mães meladas, como diz o ditado.
Esse tutano de mocotó amazonense me deixou curiosa.
As suas reminiscências de Manaus são maravilhosas, adoro!
Beijão do leste paulista.
Nina, eu nao tive avó por perto. me lembro que chamava muita gente que eu gostava de avó mas nao tinha a minha.
ResponderExcluirAo ler o teu texto fiquei com medo de chegar ao final e ler que ela tinha morrido naquele dia qdo vc voltou do passeio. Juro que fiquei com o coracao na garganta.
Fiquei feliz que o final foi feliz, rs.
Bjos e boa semana
A minha avó era tão má para mim... deve ser porque eu era adotiva, ou ela era mesmo uma pessoa má.
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